Friday, February 19, 2016

Facebook não traz felicidade?: "Por que tanta gente diz estar mais feliz depois de deletar sua conta?"




Por que relatos de pessoas que dizem estar mais felizes após terem deletado suas contas no Facebook são tão comuns? O que causa isso?

Anon.

Primeiro, é preciso entender que pessoas diferentes têm experiências diferentes com o Facebook e outras redes sociais. É como o álcool: se você acreditar que todas as pessoas que bebem só tomam uma taça de vinho no jantar ou três copos de cerveja com os amigos no fim de semana, não vai entender o alívio que os alcoólatras sentem ao largarem a bebida.

Creio que existem cinco fatores que levam as pessoas a se sentirem mal no Facebook, e então o abandonarem: vício, inveja, passividade, ciúmes, e toxicidade.

1 - Vício: Cada vez que você entra no FB e encontra uma foto engraçada de gato, uma receita curiosa que os médicos detestam para acabar com a celulite, um textão destilando ódio contra coxinhas ou petralhas, ou um linchamento moral que você simplesmente não pode perder, qualquer coisa que prenda a sua atenção, que te provoque uma emoção forte (positiva ou negativa), que te divirta, o que acontece é que você está sendo recompensado por entrar no FB.

Às vezes você dá uma olhada na sua timeline e não tem nada de novo, mas às vezes tem vários posts interessantes. É mais ou menos como uma aposta numa máquina caça-níqueis, às vezes você coloca a ficha e puxa a alavanca e não ganha nada, e às vezes ganha três vezes seguidas.

O nome desse padrão de "recompensas" em psicologia comportamental é esquema de reforçamento de razão variável, e no extremo, a consequência dele é o comportamento compulsivo, como o vício no jogo de azar ou o hábito de pegar o celular a todo momento pra dar uma olhada no Facebook. Uma pessoa que não consiga se concentrar no trabalho ou no estudo, porque a cada dez minutos precisa parar pra olhar sua timeline e não tem controle algum sobre isso, tem um bom motivo pra deletar sua conta.

2 - Inveja: Não se assuste com a palavra. O lance é o seguinte: como o psicólogo Leon Festinger estabeleceu nos anos 50 com a teoria da comparação social, o ser humano tem a necessidade inata de conhecer com alguma exatidão o seu status dentro do grupo em que ele está inserido. Para isso, nos comparamos automaticamente, sem notar, a pessoas que julgamos similares a nós, em áreas como aparência, habilidade, opinião, sucesso profissional. Nas redes sociais, no entanto, nós tendemos a selecionar qual impressão queremos passar sobre nós mesmos, construímos uma identidade idealizada para mostrar ao mundo. Tendemos a postar as selfies mais favoráveis, fotos das férias na praia, não a nossa cara amassada logo ao acordar nem comentários sobre o desespero existencial num emprego em que você não enxerga sentido nem satisfação.


Essa exposição aos personagens idealizados que as pessoas projetam nas redes tem efeitos diferentes dependendo de certos traços de nossa personalidade. Pessoas com baixa auto-estima e alta inveja disposicional maliciosa vão se sentir mais estressadas nas redes sociais, e quanto mais tempo passarem ali, mais oportunidades vão ter de se compararem negativamente aos outros e se sentirem pior com isso.

Curiosamente, pessoas com alta inveja disposicional benigna e maior autocontrole se sentem inspiradas e motivadas por postagens positivas das pessoas próximas a elas.

3 - Passividade: Se você apenas consome conteúdo nas redes, ou seja, acompanha os posts de outras pessoas, mas não não tem interações diretas com ninguém, ou seja, não comenta, conversa, não faz ou aceita convites para atividades no mundo real, então você está fazendo uso passivo das redes sociais, e isso está associado a solidão e sintomas depressivos. Se a sua experiêncoa com o Facebook é negativa, no sentido de você não ter relações significativas com ninguém ali, então talvez sair da rede faça com que se sinta melhor.

4 - Ciúmes: Fotos e postagens frequentemente carecem de contexto ou são razoavelmente ambíguas, podendo ser interpretadas de diversas maneiras. Novamente dependendo de traços de personalidade, mais a qualidade da relação do casal, isso pode fazer com que uma pessoa passe literalmente a vigiar o perfil do parceiro, e até de amigos do parceiro, buscando evidências de... alguma coisa. Os ex são os alvos e os suspeitos favoritos. Quanto mais tempo a pessoa passa vigiando, mais ela se expõe a material que ativa suas suspeitas, num loop de feedback e numa espiral de ciúmes que pode se tornar insuportável, para ela, para o parceiro, e para a relação.

5 - Toxicidade: Wael Ghonin, um dos primeiros instigadores da Revolução Egípcia de 2011, atribui às redes sociais o poder de destruir um regime político, mas não de construir outro melhor. Eles conseguiram derrubar o ditador Musni Mubarak, mas em seguida,

A euforia logo passou, porque 'nós fracassamos em construir um consenso, e a disputa política levou a uma intensa polarização'. As redes sociais, ele notou, 'apenas amplificam' a polarização 'ao facilitarem a divulgação de desinformação, boatos, câmaras de eco e discurso de ódio. O ambiente era puramente tóxico. Meu mundo online se tornou um campo de batalha cheio de trolls, mentiras e discurso de ódio'.
Os partidários do exército e os islamitas usaram as redes sociais para caluniarem uns aos outros, enquanto o centro democrático, espaço que Ghonin e tantos outros ocupavam, era marginalizado.
"Nós tendíamos a nos comunicar apenas com as pessoas que concordavam conosco, e graças às redes sociais, podemos silenciar, deixar de seguir e bloquear todos os outros".
"As discussões online rapidamente degeneravam em turbas furiosas. Era como se esquecêssemos que as pessoas atrás das telas eram reais e não apenas avatares."

Qualquer semelhança com o quebra-pau online entre facções políticas no Brasil, e na verdade com o quebra-pau que qualquer discussão não-moderada sobre qualquer coisa facilmente se torna nas redes sociais, não é mera coincidência. Nesse clima, manifestar uma opinião, mesmo sobre algo tão irrelevante quanto um filme, é correr um risco nada desprezível de ser vítima de uma turba de pessoas se declarando pessoalmente ofendidas com seus comentários, ou interpretando eles da pior maneira possível a partir de uma posição de ignorância e mesquinha falta de caridade interpretativa, dispostas a xingar, ameaçar, caluniar, às vezes até causando sérias repercussões na sua vida pessoal e profissional.

Essa regressão à era dos linchamentos, agora virtuais, faz com que algumas pessoas decidam simplesmente abandonar as redes, o que faz com que sua qualidade de vida aumente consideravelmente.

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Referências:

Appel H., Gerlach A.L., Crusius J., "The interplay between Facebook use, social comparison, envy, and depression" (2016). Current Opinion in Psychology, Volume 9, June 01, 2016, Pages 44-49

Krasnova, H.; Wenninger, H.; Widjaja, T.; Buxmann, P., "Envy on Facebook: A Hidden Threat to Users’ Life Satisfaction?" (2013). Wirtschaftsinformatik Proceedings 2013. Paper 92.

Muise, A.; Christofides, E.; Desmarais, S., "More Information than You Ever Wanted: Does Facebook Bring Out the Green-Eyed Monster of Jealousy?" (2009). CyberPsychology & Behavior. July 2009, 12(4): 441-444.

Steers, M.; Wickham, R.; Acitelli, L., "Seeing Everyone Else's Highlight Reels: How Facebook Usage is Linked to Depressive Symptoms" (2014). Journal of Social and Clinical Psychology: Vol. 33, No. 8, pp. 701-731.




5 Marcel R. Goto: Facebook não traz felicidade?: "Por que tanta gente diz estar mais feliz depois de deletar sua conta?" Por que relatos de pessoas que dizem estar mais felizes após terem deletado suas contas no Facebook são tão comuns? O que causa isso?...

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